segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Paisagem Sonora II

1. Paisagem – Naturalismo, Determinismo e Possibilismo

O conceito de paisagem surgiu entre a comunidade geográfica no séc. XIX, devido à influência do pensamento naturalista, que defendia a descrição e classificação como o principal método de investigação.

No início do mesmo século, Alexander Von Humboldt, naturalista, considerou a Geografia uma ciência de síntese da paisagem, pois esta deveria ser descrita e representada, de modo a apreender todos os seus elementos, para registá-los e representá-los. A paisagem era entendida como um conjunto de características morfológicas, topográficas, hídricas e geológicas nas quais o homem actuava. O homem não era elemento constituinte e importante na paisagem (Diener & Costa, 1999/2002; Beluzzo, 1995; Morais, 2001).

Na segunda metade do século XIX, Ratzel inclui o homem no estudo da Geografia, corrente conhecida como Antropogeografia. Ratzel definiu como objecto de estudo da Geografia a influência que as condições naturais exerciam sobre o homem. Na paisagem da Antropogeografia de Ratzel, o ambiente natural continuava a ser o elemento principal no estudo da paisagem, que agora incluía o homem.

Em oposição à teoria de Ratzel, ainda no século XIX, Vidal de La Blache defendeu que o homem se adaptou ao meio que o envolvia, criando, no relacionamento constante com a natureza, um conjunto de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram utilizar os recursos disponíveis. Colocou o homem como um ser activo que sofre a influência do meio, porém que actua sobre este meio e o transforma em possibilidades. O conceito de paisagem surge conotado com o de região, e os seus estudos privilegiavam a inter-relação entre os elementos naturais e humanos.

Para os geógrafos do início do séc. XX, a paisagem assume-se como um conceito integrador entre a geografia física e a geografia humana, pois traduzia as interacções entre os elementos do mundo físico e entre estes e o homem, numa determinada área. Desta interacção resultavam diferentes paisagens e cada região detinha uma paisagem própria e irrepetível.

2. Escola de Berkeley

Nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do séc. XX, Carl Sauer fundou a Escola de Berkeley e propôs a denominada Geografia Cultural. A Geografia Cultural proposta por Sauer considera o homem como o elemento modificador do espaço, delimitador de territórios, capaz de alterar e manipular o meio ambiente, através de um contexto que é cultural e histórico. Definiu a paisagem como o conjunto das formas naturais e culturais associadas, em que a paisagem seria o resultado da cultura sobre o quadro natural. Sauer propôs que a paisagem deve ser entendida na sua totalidade, pois os objectos, elementos da paisagem, existem inter-relacionados, e que a realidade não seria expressa no estudo isolado dos elementos que compõem a paisagem (Sauer, 1998).

A Geografia Cultural propõe que a paisagem seja lida e interpretada, sendo que a prática descritiva da paisagem é substituída por outra que é interpretativa. A paisagem é considerada como o lugar e o produto em que as relações entre homens e entre homem/meio ocorrem. Apesar de dar atenção à cultura não material (crenças, sistemas sociais...), a Geografia Cultural proposta por Sauer incidia os seus estudos nas formas visíveis da paisagem. Para ele, a cultura era considerada como um conjunto de práticas compartilhadas, comuns a um grupo humano em particular, que foram apreendidas através das gerações. Os fatos ligados à cultura eram considerados como uma natureza superior imposta aos homens (Duncan, 1980 cit. por Claval, 2001). A esta definição de cultura, os críticos da Geografia Cultural proposta por Sauer classificaram de “determinismo cultural” (Cosgrove, 2004).

3. A paisagem no final do séc. XX - paradigmas actuais

Nas décadas do pós 2ª guerra mundial, pelo desafio de reconstrução das cidades e com o esgotamento do paradigma regional, assiste-se à decadência dos estudos sobre paisagens. Paralelamente, afirma-se o neo-positivismo, com a procura de modelos preditivos com recurso a métodos quantitativos, corrente de onde surge a Nova Geografia.

Com o aproximar do final do século XX, renasce o interesse pela paisagem no meio geográfico. O estudo sobre as relações entre o homem e o ambiente voltam a ser tema de crescente interesse, com destaque para os estudos sobre a paisagem e em particular, a paisagem urbana. No entanto, a paisagem já não é entendida apenas como a porção do espaço geográfico que se abrange com o olhar.

Nos últimos anos ocorre uma transição de um conceito material, objectivável (fisiológico/ecológico), para o fenomenal (o modo de ver, a relação sujeito/paisagem), pois a “paisagem não é um simples objecto, nem o olho que a observa uma lente fria de objectiva” (Fremont, 1974, cit. por Salgueiro 2001).

Segundo a Convenção Europeia da Paisagem, a paisagem constitui o pano de fundo da qualidade de vida das pessoas, pois reflecte a diversidade da sua herança cultural, ecológica e sócio-económica, e constitui um dos fundamentos da identidade local e regional e até a uma outra escala, europeia (Pinto Correia, 2005, cit. por Moura 2006).

Orlando Ribeiro refere que a Paisagem é um produto do passado; constituindo um registo da memória colectiva, traduz a história do povoamento e das formas de aproveitamento para fins produtivos de determinado espaço geográfico. Deverá ser dado ênfase à paisagem como registo de memória.

A paisagem constitui um sistema complexo e dinâmico, onde os diferentes factores naturais e culturais se influenciam uns aos outros e evoluem em conjunto ao longo do tempo, determinando e sendo determinados pela estrutura global (Forman and Godron 1986; Naveh and Lieberman 1994; Zonneveld 1990 cit. por Abreu & Correia, 2001).

Estas definições de paisagem têm em comum o campo do tempo e espaço da vida humana, da experiência humana, onde esta paisagem ganha sentido e marcos simbólicos. A compreensão da paisagem implica o conhecimento de factores como o relevo, a hidrografia, a flora e a fauna, a estrutura ecológica, o uso do solo e a actividade humana ao longo do tempo e as suas relações, num determinado momento, que pode ser vista por cada observador, segundo a sua capacidade de percepção e os seus interesses específicos.

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